Escrever no computador tem uma aura de tarefa #trabalho# tal como eu trabalhei tantos anos: organizando em pastas, inventando, aprendendo e desenvolvendo assuntos.
Nos meus outros lugares, não caberá esta história de pobreza e simplicidade.
Editar o passado, revivê-lo, etiquetá-lo.
(pergunto-me: à semelhança na história da arqueologia, todas aquelas pedras e símbolos gravados que ainda se procuram e encontram, não serão os sinais de que alguns de nós, da humanidade, deseja legar, deixar marca, para um futuro desconhecido?)
Eis que inventei um blogue para "isto": dainfânciacom.
Sendo mesmo para falar com quem passei o meu tempo-pequeno. Pequeno porque me parece curto, assim de longe, dos meus 71 anos.
PARA A MINHA MENINA
Imagino que algum dia sentirá curiosidade, imagino que em duas ou três décadas ela terá vontade de saber quem era a avó do Porto. Em vez de escrever-directamente-escritora um livro, que para tal não tenho "o engenho e arte".
Os pais da minha avó vieram para o Porto, fugidos da miséria do Douro, em 1896, creio, tinha a filha Vitória 6 meses. Eram assalariados rurais e isso diz muito, em comparações e semelhanças com o que li mais tarde, sobre as crises nas plantações de vinhas no Douro nessas décadas.
Fotografias do casamento da Avó Vitória (de Valdigem) e do avô Antero (de Pombal de Ansiães), na Quinta da Prelada.
Uma vez, já com 30 ou 40 anos e dos prédios que por lá construíram, vislumbrei de longe aquela pequena torre e reconheci-a, não sei se ainda existe.
Tiveram 5 filhos, dos quais só ficou a Olímpia, a última.
Este é o Joãozinho que morreu muito novo.
E o Leonel, tão bonito era.
A Vitorinha ficou assim, só, com uma filha de 8/10 ??? anos. Nada está registado desse tempo, só a lembrança do trabalho duro a que mãe e filha tiveram que se entregar. Apenas uma fotografia da primeira comunhão:
A minha mãe, esbelta e solteira,
com a tia Maria e avó paterna de quem desconheço "a passagem"
e com as amigas: a Lurdes, a Mariette, a Venturinha...
Faltou-me o Reinaldo, o namorado dela!
Estas são as primeiras fotografias que tenho, do ano de 1948 na barriga da minha mãe, pelos prédios atrás, será no Jardim do Carregal
O casamento da Olímpia e do Reinaldo foi em 8 de Dezembro de 1947. Creio ter ouvido dizer que esta união provocou alguma polémica (como se diria hoje) entre famílias, embora o meu pai andasse a seguir a minha mãe desde que ela tinha 14 anos e trabalhava numa fábrica de meias, lá para longe da Praça da República. Consigo imaginá-lo pela Rua Mártires da Liberdade adiante, ainda existe o café da esquina de que falavam.
Estão ladeados pelos padrinhos (ricos, iriam para o Brasil mais tarde) que depois também seriam padrinhos do rebento, a nascer no Maio seguinte. Os padrinhos viviam na Rua do Sol, tinham dois cãezinhos pequenos, e fartos proventos: a madrinha usava uma pele de raposa??? o que era extravagante e luxuoso nessa época.
O saia e casaco da minha mãe era de fazenda fina, beige, o véu e algumas flores de renda, todas de tom cru. Os sapatos de cunha também me lembro de os ter visto mais tarde.
Dali reconheço a Carolina e a Lurdes, as crianças vagamente, uns primos que depois também foram para o Brasil

Que pena - eram novos e lindos - não terem escolhido outro lugar para as fotografias...
As avós, a Laura e o avô Armindo e a modestíssima Avó Vitória.
Lembro-me de ouvir contar mais tarde que o meu pai não queria que me chamasse "Maria" e os nomes sugeridos pelos padrinhos? seriam Aurora Matutina ou Aurora da Liberdade. Não sei quem teria sido o panfletário com estas ideias... mas calculo que não seria admitido no salazarento regime.
Do entretanto, de pequenina, nada tenho. Apenas resta esta, recuperada nem sei onde. No Bêco do Paço, junto à pia/tanque comum, de lavar a roupa: a Laura, a Zulmirinha e a Menina Lúcia. A meio, nós duas como estivemos muitas vezes, eu de mão dada à Vitorinha
Iria usar geralmente esta "farda" de que me lembro perfeitamente: um babeiro e o "balandró", uma espécie de calças em flanela azul escuro. A minha avó, de olhos azul-triste, a minha avó (andorinha como lhe chamavam), quase sempre de avental e chinelos ou, se chovia, socos. Para sair, tinha os "silenciosos", sapatos rasos e arredondados que se compravam ali perto na rua ao lado dos Clérigos.
E era assim que se chamavam as ruas, o Carregal, a Restauração, o Carmo, as Carmelitas, o Moinho de Vento, Carlos Alberto, Cedofeita, Carvalhosa...
Gostei muito, menina. É um bom começo e, ainda que doloroso, é também um "dainfânciacom" ou seja, comer a infância, ou comer da infância, também nos alimenta a fome de entendimento das coisas, seja ela qual for. Notáveis as parecenças que encontro entre alguns de vós. E feições bonitas, olhares vivos e inteligentes, Só desejo que este teu voltar atrás não te magoe demasiado. Tão bonito o grupo no dia do casamento dos teus avós. Continua!
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