terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Recordar Tempo 2

Surjo eu e outros, sentada no 2º degrau, numas escadas do "Palacete", a olhar curiosamente para a senhora brasileira (visita do Senhor Vasques?) que gostava tanto de crianças e nos tirou estas fotografias.
O Luís, a Glória, a Fernanda, a Marietinha, a Alice... as caras conhecidas mas os outros nomes desaparecidos


O "Palacete" foi uma entidade marcante naquele tempo: na calçada, na subida íngreme para a porta da rua da "ilha", havia um portão enorme, grades verdes sobre um pequeno muro, hortências nos cantos húmidos, uma densidade de vegetação luxuosa, uma palmeira, o Leão, o cão que vinha sempre ladrar ao gradeamento quando alguém passava, o proprietário da casa, família e criadas de touca e aventais brancos com rendas. O Senhor Vasques trabalhava (ou era um dos donos?) de um dos armazéns de vinho do Porto, do lado de lá do rio. Onde a Vitorinha chegou a fazer limpezas e me levava às vezes, atravessando a "ponte de baixo" ali na Ribeira. Duma vez, havia uma cheia no Douro, as cheias do rio eram uma fonte de alvoroço e desgraça, e eu recordo que "quase se podia tocar" na água castanha que corria tumultuosa pouco abaixo.
Eu espreitava a casa, sempre que podia, um palácio no meio de jardins, "o palacete"! Havia uma pequena fresta na parede da pequena sala de jantar/cozinha da nossa casa; e também mais tarde, a minha curiosidade punha uma cadeira em cima duma mesa (e às tantas um banco também) e levantava meia clarabóia para ver o edifício e as suas andanças. Era... um conto de fadas que alimentou durante anos as minhas fantasias.
Quando sabiam que o Senhor Vasques chegava no seu carro, a canalhada corria para lhe segurar o portão; ele às vezes dava um tostão a um deles. Eu tinha muita vergonha, não ia.
Será desse tempo a fotografia da minha avó e tia Maria, à janela da nossa casa, e vendo-se uma parte de uma das palmeiras da tal casa apalaçada das traseiras?


E "menina das alianças" me tornei. Era a escolhida, entre as amigas da minha mãe, pelo "bom comportamento" e maneiras delicadas (era educadinha, a Bétinha!), a roupa bonita que ela me fazia e hoje recordo perfeitamente.
Ainda bem, pude assim recuperar por algumas pessoas conhecidas, as únicas imagens que tenho dessas ocasiões: sendo de circunstâncias levadas tão a sério nesse tempo, havia alguma pompa nas cerimónias e respectivas fotografias.

O casamento do tio Neca (tio Manuel, irmão mais novo do meu pai), a minha mãe com botas curtas e carteira, e o meu pai com barba, do lado esquerdo. E eu com um belo vestido branco de algodão piquê (???) bordado e com lacinhos na saia, uma pequena touca, um casaco branco de pele de coelho e o respectivo regalo, pendurado ao pescoço. Devia portanto ser o ano de 1950 em tempo de Inverno, pelas vestimentas


Com a avó Laura, mãe do meu pai e do tio Neca. Esta avó foi a minha preferida durante alguns anos: como se tinham todos zangado - o meu pai com a família dele -, ela vinha às vezes ver-me ao jardim. Alguma vizinha nos dizia e lá me levavam ao seu encontro. Era a avó agradável porque a outra, a Vitorinha, trabalhava em casa e tinha de impôr alguma disciplina, claro! Nunca foi muito meiga mas trazia-me livros religiosos e santinhos. Que depois era preciso "esconder", o Reinaldo era profundamente anti-clerical.
O casamento da Lurdinhas com o Toninho, onde reconheço o Snr. Juvandes (o porteiro do Museu Soares dos Reis que me deixava andar por lá), a mulher "menina Lúcia", a Alice de tranças pretas e eu. Do que recordo, teriam aquecido uns fios grossos para me fazer caracóis no cabelo... O meu vestidinho é o mesmo


Este casamento nem sei de quem é: uma vez vi uma foto antiga, com o nome do estúdio onde tinha sido tirada. Na minha juventude tardia, procurei a casa, ali numa rua perto dos Clérigos. Uma antiguidade que já não existe: o dono levou-me aos arquivos e mais ou menos pela data, pudemos recuperar os negativos. Que com o tempo tinham ganho humidade e manchas, daí a espécie de nuvem que envolve as pessoas e quase me "levava" a imagem.
Do vestido "estou a vê-lo": fazenda fininha beige, muito clara, com fitas de veludo castanho e um laço, amarelado de riscas castanhas. Até me lembro da retrosaria onde foi comprado, em Cedofeita


Lá vou eu, compenetrada do meu papel, com a bandeja das alianças

Este casamento foi o da Dona Aninhas e do Senhor Santos, ela chefe da minha mãe no Hospital de Santo António onde trabalhava, ele amigo do meu pai, um homem amoroso que havia de me fornecer a infância de copos de leite com canela, no velho café Rivoli. Com vestido de seda branca rematado numa gola larga, redonda e debruada a renda fininha, luvas e um ar mais crescido.





E aqui está o último casamento de que há notícia, a Fernanda e o Basílio, com as meninas do costume. Lembro-me bem do que ouvi dizer depois, uma infelicidade: o marido foi "para fora" e nunca mais deu notícias. Deixou-lhe um filho muito louro e muito lindo com quem eu brinquei mais tarde, como se fosse o meu boneco.

Não me lembro das festas ou dos lugares, verdadeiramente, lembro-me das pessoas e dos vestidos. Das alegrias e tristezas que eram partilhadas no pequeno núcleo do bairro.



1 comentário:

  1. Em festas de casamentos ficaste vacinada... Com que então "Bem comportadinha"! E sempre tão séria. Como se estivesses permanentemente a matutar sobre o que se ia passando. E o que pensavas tu nesses momentos, fazes ideia? Fazia-te confusão o que se passava à tua volta? É tão difícil recordarmos o que pensávamos em certos momentos, fica numa névoa.

    ResponderEliminar