No entretanto dos anos, é tempo de sair e descrever as saídas.
- Dos pequenos passeios com o meu pai, ao Âncora d'Ouro, onde eu ansiosa olhava para ele e esperava que fosse dia de comer um bolo de arroz. Ele jogava bilhar no primeiro andar, enquanto eu ficava à janela, a ver quem passava.
- As saídas com a minha avó às compras por perto, ao caleiro, ao Mercado do Anjo, de que tenho uma imagem real mas fugidia (foi demolido por completo em 1952, portanto a imagem que tenho é dos 2/3 anos).
- Os domingos à tarde, com a Vitorinha, idas ao jardim da Cordoaria, onde havia um pequeno parque infantil: e tinha que se esperar por vez para lá entrar.
- O atravessar a baixa, por vielas, com a avó, até à Ribeira. Grandes barricas de madeira com azeitonas, peixe e fruta nas bancas. O lugar onde se comprava directamente aos pescadores que desciam o rio, o sável, em tempo dele.
Que quase tudo se vendia às portas: o leite, o pão, o azeite, o peixe, a hortaliça. Bastava um pregão e as mulheres (e os gatos) acorriam. Lá para casa, embora pobres e com muita economia de meios, comia-se o que fosse mais fresco, o peixe era escolhido pelo dedo da Vitorinha, que lhe inspecionava os olhos e as guelras. Lembro-me de aspectos, sabores e de nomes: o capatão de pinta, os bifes de atum, a corvina. As enguias. Os chicharros. O polvo. As marmotinhas de rabo na boca. A minha avó cozinhava, ou começava a cozinhar a sopa, de manhã cedo. As texturas (por exemplo, a vitela da costela mendinha estufada horas em lume brando até ficar bem apurada, o arroz de sardinhas pequenas ou de polvo, malandrinho) e as refeições que fazia, ainda hoje - e quase todos os dias - ma trazem à lembrança.
Aprendi imenso por ver fazer.
***
O Campismo daria um "conto largo" se eu tivesse as fotografias!
Sei que o meu pai se inscreveu no Clube de Campismo do Porto, ele e amigos, dos primeiros na cidade a seguir esta modalidade "desportiva". O Caldeira que cantava cantigas de Cinfães, o Lopo, o Belo e a família, o Neca, o Leandro...
Um alvoroço nos tomava a todos e aos vizinhos que vinham às portas ver a saída.
Comprada uma tenda francesa, com chão impermeável e duplo-tecto, várias marmitas, um candeeiro e máquina a petróleo, um recipiente de sarja dura e estanque para a água, sacos cama, uma mochila às costas cheia de bolsas por fora, uns calções, uma boina.
Todos julgavam que eram "os ciganos"!
O meu pai contava coisas divertidas, muitas vezes ia sozinho com os companheiros. Tantas vezes à boleia, pelas estradas e aldeias desconhecidas: gostava de conseguir lembrar-me...
Creio ser esta uma das suas saídas a pé. Uma vez que, numa aldeia da Serra do Montemuro, todos os habitantes se
esconderam e a aldeia parecia deserta. Com as pessoas, já depois de se
darem ao conhecimento, partilharam as conservas e queijo (o que era uma
bola coberta de película grossa vermelha), coisas que aquela gente desconhecia e
com que se espantava.
Outra vez que, de noite, acamparam num sítio que
lhes pareceu pacífico e agradável e quando um acordou de manhã, diz: "O
pá, olha ali uma cruz..." - tinham acampado num cemitério!
A primeira vez que fui com ele(s), foi para a Quinta da Conceição, espaço fechado na altura mas que foi cedido (pelo padre?) para o grupo do campismo. Fomos de eléctrico até Matosinhos onde num café bebi "um pneu", água com uma rodela grossa de limão. O resto do caminho, fomos a pé.
As cavilhas e as espias que seguravam a tenda, eram a minha (e a dele) preocupação: a tenda teria de ficar sem uma ruga para ser impermeável. Por isso, de cada vez que eu dava uma topada desatenta, lá estava ele a "pregar". Dessa primeira vez de acampamento até caí e fiz um lanho por baixo do queixo: a recordação desse dia aqui ficou.
Assim como o meu espanto por andar na "floresta", a escuridão e frescura da mina onde se ia buscar água, a sensação de liberdade e acordar com pássaros.
Estas fotografias são da época, creio que tenham sido tiradas num parque, em Vizela; onde me lembro que choveu muito, muito, e tiveram que se fazer regos à volta da tenda, para evitar empoçar a água.
Geralmente, ia-se num fim de semana. A minha avó ia ter connosco ao domingo, quando havia camioneta ou comboio. Levava sempre a calda do arroz feita (coelho, galinha) e, é claro, ocupava-se de tudo, cozinhar, lavar a louça, estender a roupa numa corda entre duas árvores.
Aqui estamos, eu nem chego com os pés ao chão.
Uma família feliz!
Uma mãe sempre preocupada com o seu senhor marido. E sempre ocupada a trabalhar, a fazer alguma coisa, costurar ou fazer malha, sob a asa da mãe dela que de tudo o resto tratava.
Notável como te lembras de tantos pormenores. E alguma ironia, suponho, na expressão "Uma família feliz!"
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